Mostra individual do artista plástico carioca na Galeria Aura Arte reúne cerca de 20 obras, entre pinturas, esculturas e fotografia,
e fica em cartaz entre 29 de agosto a 30 de setembro
O trabalho de Antonio Bokel transita, há mais de 15 anos, entre a linguagem urbana dos lambe-lambes, das pichações e dos grafites à colagem, fotografia, escultura e às telas. Na ponte-área Rio-SP desde fevereiro deste ano, o artista plástico carioca lançou seu livro, “Ver”, durante a SP-Arte. A obra ilustra, de forma panorâmica, suas trajetória e produção.
Com um olhar de “migrante” na cidade de São Paulo, observando as inquietações da metrópole, Bokel iniciou o processo de criação de sua nova exposição, “Tudo que Está Coberto”, que abre para o público em 29 de agosto, na Galeria Aura Arte, na Vila Madalena, com curadoria de Paulo Gallina.
A mostra conta com, aproximadamente, 20 obras, sendo 17 pinturas e 3 esculturas em concreto e bronze. A ideia para a individual surgiu durante uma caminhada com o curador, por meio da observação, ao longo do percurso, de objetos ocultos por outras superfícies – tecidos e lonas, entre outros. “Tudo o que está coberto me inspira”, afirmou o autor dos trabalhos na ocasião.
A partir daí, o que já era latente nas peças anteriores do artista, por meio da pintura ganha nova passagem para a forma, incluindo os suportes de escultura e fotografia. Nesta individual, por exemplo, as 17 pinturas revelam a preocupação com o caráter gestual, como se cada linha, movimento e cor se preocupassem com o registro do ocorrido e não com a “imagem em si”. Acerca desse processo, Gallina observa no texto curatorial da exposição:
“Ao se refletir sobre o universo das artes sempre se está pensando em imagens, com frequência, entretanto, confunde-se uma obra de arte com a superfície da imagem. Talvez nas produções artísticas, como literárias ou musicais, a relação entre a forma apresentada e o conteúdo discorrido não se reportem tanto às imagens sobre o papel. Com a produção em artes plásticas, no entanto, a imagem é reiteradamente tomada como sinônimo da superfície visível. Uma conclusão razoavelmente lógica, ainda que se revele como falsa no contexto da pesquisa e produção do artista carioca Antonio Bokel”.
Um dos destaques da exposição é o conjunto de pinturas intitulado “RIR” (2017), no qual Bokel conclama o observador a uma experiência. As telas de linho e algodão sobrepõem a gestualidade livre das linhas e formas à dureza da geometria por negrume: ao contrário da matemática analítica, como forma mental de se abordar o mundo, a “RIR (2017)” revela outro caminho: ser explorada enquanto momento fora do tempo – sem passado e sem futuro – como matéria posta à vista enquanto ocorrência. Outras pinturas, como “Amilcar Descalço” (2017) e “Frete” (2017), redimensionam o discurso visual do artista para o interesse por rastros e vestígios, como o retângulo amarelo em “Frete”, que sugere uma superfície que havia sido completamente acobertada por uma camada de tinta azul.
Esse fetiche – ou erotismo da plasticidade – do cobrir e do descobrir, do revelar e do esconder, diz respeito à linguagem visual adotada nas pinturas, mas também está presente nas três esculturas e na única fotografia que compõem “Tudo que Está Coberto”. Nas esculturas, tecidos sustentam e cobrem estruturas pesadas de cimento e, também, revelam e escondem objetos cobertos. Em obras como “O que Está Coberto” (2017, bronze), “Rolling” (2017, bronze) e “Sustentável Leveza” (2017, concreto e bronze) há a mesma investigação pelo inesperado jogo entre o desvelar e o ocultar; as esculturas ganham forçam na dialética entre o peso e a leveza.
Inspirada nos tecidos que cobriam os corpos nas estatuárias renascentistas, Bokel continua o exercício iniciado em exposições anteriores com o uso de concreto e bronze. A diferença para essa individual reside na fundição dos tecidos em bronze, que sugere a aparência de leveza num diálogo com um material bruto como o concreto. “Corpos cobertos que podem esconder ou revelar, tanto nas pinturas quanto na escultura. A pintura cobre a superfície, deixando rastros e camadas sobrepostas, mas sempre deixando uma pista do suporte, como um fetiche”, analisa o artista.
SOBRE ANTONIO BOKEL
Nasceu no Rio de Janeiro, em 1978. Formou-se em Design Gráfico pela UniverCidade, em 2004. Realizou sua primeira exposição individual em 2003, na Ken’s Art Gallery, em Florença (Itália), onde residiu e fez cursos de Fotografia e História da Arte. No Rio de Janeiro, teve aulas de modelo vivo com Bandeira de Mello e fez cursos de pintura com João Magalhães e Luiz Ernesto, na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Ao longo das duas últimas décadas tem apresentado seu trabalho no Brasil e no exterior.
Suas principais exposições foram: em 2012, “Gramática Urbana”, no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, Rio de Janeiro; 2013, “Transfiguração do Rastro”, no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica; 2014, mais uma individual, “Na Periferia do Mundo”, no Centro Cultural da Justiça Federal, Rio de Janeiro; 2015, “La Nature d’Or”, na Galeria Mercedes Viegas, no Rio de Janeiro; 2014, “Novas Aquisições”, no Museu de Arte Moderna, no Rio de Janeiro; 2016, “Nada Além das Palavras”, na Galeria Matias Brotas, em Vitória, e a exposição “Point of View/ site specific”, nos jardins do Palácio da Pena, em Sintra (Portugal). Alem disso, fez residências artísticas na AAAAA No Thing But Truth, na Sid Lee Collective Gallery, Amsterdã (Holanda), na ARTUR - Artistas Unidos em Residência, em Lagos (Portugal), e na Cidadela Art District, em Cascais (Portugal). Foi indicado ao Prêmio Pipa em 2015.
Criada em abril de 2015, a Aura busca representar artistas que estejam vinculados com os processos do tempo atual, com olhares atentos à experiência do contemporâneo. “Por isso, muitas vezes, nos centramos na escolha de jovens artistas que estão no germinar de suas descobertas, conectando-se de forma pulsante com esse contexto. Por outro lado, temos artistas que apresentam uma trajetória mais longa nesse cenário, como é o caso do Antonio Bokel. Nele, nos impacta a capacidade de pensar e de transmutar o urbano. São telas e esculturas que jogam com as camadas da cidade, que dão ou não visibilidade, e também brincam com o movimento e a espontaneidade”, diz a diretora da galeria, Bruna Bailune. Atualmente, divide-se em duas frentes: a galeria em São Paulo, que realiza exposições de seus artistas representados, e a plataforma on-line (www.aura.art.br), cujo objetivo é divulgar de maneira mais ampla e democrática a produção de jovens artistas brasileiros. A Aura também atua na criação e execução de diversos projetos artísticos. Desde a sua criação, realizou 15 mostras entre Porto Alegre e São Paulo – além de ter participado de feiras de arte e apoiado projetos expositivos. Foi indicada ao IX Prêmio Açorianos de Artes Plásticas (2015), na categoria Destaque em Espaço Institucional, Público ou Privado, de Divulgação Artística em Porto Alegre/RS.
SERVIÇO
Mostra "Tudo que Está Coberto"
Antonio Bokel
Visitas: de 29 de agosto a 30 de setembro de 2017
terça a sábado, das 14h às 19h.
Galeria Aura Arte
Rua Wisard, 397
Vila Madalena, São Paulo.
Tel. 3034-3825
Site: www.aura.art.br
TUDO QUE ESTÁ COBERTO, POR PAULO GALLINA
TEXTO CURATORIAL:
Ao se refletir sobre o universo das artes sempre se está pensando em imagens, com frequência, entretanto, confunde-se uma obra de arte com a superfície da imagem. Talvez nas produções artísticas artes literárias ou musicais a relação entre a forma apresentada e o conteúdo discorrido não se reportem tanto às imagens sobre o papel. Com a produção em artes plásticas, no entanto, a imagem é reiteradamente tomada como sinônimo da superfície visível. Uma conclusão razoavelmente lógica, ainda que se revele como falsa no contexto da pesquisa e produção do artista carioca Antônio Bokel.
As pinturas de Antonio revelam prontamente ao olho um interesse gestual, como se a linha a linha, campo de cor a campo de cor, o artista registrasse movimentos sem preocupar-se exatamente com a imagem resultante. Porque a imagem é o resultado do registro, não a desculpa para o gesto acontecer. O conjunto de pinturas RIR (2017) é revelador deste momento da pesquisa de Bokel: ao intercalar telas de linho e algodão, o artista também aproxima e sobrepõe a gestualidade livre da geometria à dureza de formas geométricas lineares preenchidas por negrume. Quase que naturalmente, Antônio revela ao observador como ambas as atitudes são formadas pelos mesmos pincéis, sprays, espátulas e dedos que depositam a tinta, são camadas de tinta cobrindo as superfícies e fingindo ser formas geométricas sem a pretensão de aproximar-se da matemática analítica capaz de conceber estas mesmas formas. Isso porque a matemática é uma forma mental de se abordar o mundo e as formas, conquanto o conjunto dos painéis RIR é uma experiência a ser explorada enquanto momento fora do tempo: sem passado e sem futuro, o artista exige do observador que ele exista e nota a existência da matéria posta a vista. Não por acaso, algumas das pinturas presentes nesta exposição a superfície das telas, dos linhos, das superfícies de algodão e das chapas de madeira revelam-se expostas ao olhar, este procedimento insinua um pensamento amplo sobre a pintura em que o artista considera o suporte elemento a ser destacado para além da pesquisa sobre o gesto registrado em linha ou superfície colorida.
Outras pinturas como Amilcar (2017) e Frete (2017), para além do dado que integra o suporte1 à imagem, revelam também o interesse do artista por rastros, vestígios dos muitos estados pelos quais a pintura passou. Em Frete, por exemplo, o retângulo amarelo sugerido mais ou menos no centro a imagem é a escavação de uma superfície que havia sido completamente acobertada por uma camada de tinta azul. A escavação, nesta pintura, é a revelação da memória do caminho até esta imagem final, como se a caminhada até a imagem fosse em verdade a finalidade da pintura e não simplesmente o fetiche da peça finalizada ou a imagem nele contida. Conquanto pinturas menores como as caixas de madeira pintadas com tinta a óleo, exploram também a especificidade característica desta diluição do pigmento. Os gestos na série Sem título
Um pintor trabalhando com tinta óleo abre a cor (cria uma paleta de tonalidades a partir da mistura de cores em uma cor base), Antonio Bokel revela essas paletas/misturas com suas pinturas a óleo pequenas.
Em seu livro A história universal da infâmia2 Jorge Luiz Borges apresenta a seu leitor o conto de um rei chinês que exige de seus cartógrafos a fatura de um mapa com proporção 1:1 ou seja um mapa que tenha o mesmo tamanho do reino. Borges, em sua narrativa, está comentando sobre a competência humana de cobrir o mundo com sua percepção. A obra plástica do carioca Antonio Bokel inverte esta percepção, exigindo do observador sua presença diante do trabalho, não permitindo que o observador seja apenas uma entidade que percebe o mundo como é o mapa em relação ao reino do conto do autor argentino.
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