terça-feira, 13 de abril de 2021

Yoga, ética e o despertar by Ana Simas

 



Devoção é algo que ultrapassa limites, e a ética do Yoga é um caminho solitário que depende apenas do praticante. O exemplo de bons e confiáveis mestres são importantes, mas são preceitos que devem ser trabalhados internamente.

Temos os niyamas, a purificação de si mesmo, e os yamas, que são o viver com ética. Contudo, o Yoga vai além, os ásanas e pránáyámas estão intimamente ligados à prática física.

Há  pouco tempo  vídeos de Pattabhi Jois (Disponível em: https://youtu.be/12A_mrdTI6M) foram difundidos, uma vez mais, em toda comunidade de yogins, devido as infelizes declarações sobre as "alunas gostarem de sofrer abusos" no yoga (Disponível em: https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=767810890483017&id=269895390450131). 

Muitas mentes se contorceram, de forma literal, em razão das declarações feitas por mestres respeitados acerca do tema, e houve muita indignação, considerando a devoção ao estudo dos sutras que observamos em Iyengar, A.G. Mohan, T.K.V. Desikachar e outros mestres relacionados à linhagem de Krishnamacharya.

Há um distanciamento muito grande entre os ensinamentos do sábio Patañjali e o que se vê nas imagens divulgadas. Ao observar por diversas vezes, as imagens mostram uma ênfase excessiva a detalhes e tecnicismos dos asánas, contagens de respiração e ajustes, que com o citado professor ocorreu de forma abusiva e covarde. Quebra-se ahimsá durante toda prática. 

A repetição (abhyāsa) é importante, mas não é necessário que seja aplicada em demasia numa mesma prática, pois o próprio sutra 1:14 adverte que a estabilidade (dṛḍhabhūmi, ‘solo firme’) surge quando há dedicação e desempenho correto por um longo tempo (dīrghakala), ou seja, o tempo de permanência no asána é sem dúvida mais importante que repetições exaustivas.  O tempo também tem relação com anos de persistência. 

Quanto ao método, sabemos que o Yoga sempre se adaptou às necessidades humanas. É nessa adaptabilidade que reside sua força e também de onde resulta sua longevidade, amplitude e eficiência.

Não são poucos os casos conhecidos em que gurus, aproveitando-se da assimetria de poder e da devoção de seus seguidores, ultrapassam a barreira do sectario, o que causa danos irreparáveis aos praticantes e suja o nome da filosofia de vida milenar, bela e eficiente. 

Na Netflix, foi passado o documentário "Bikram: iogue, guru, predador", título  que versa  sobre uma das muitas histórias de abusos e estupros que mancharam algumas das figuras mais importantes da disciplina. Os casos são inúmeros em todas as modalidades, e não são exclusivos obviamente no mundo do Yoga.

O movimento #MeToo encorajou denúncias e reflexões sobre os abusos sexuais e de poder exercidos sobre as mulheres. 

Muita coisa mudou nos retiros espirituais e centros ligados aos gurus do Yoga. Muitos se tornaram resorts dedicados à meditação, com uma atmosfera "mais amena". Mas o caminho ainda é longo para punições efetivas aos abusadores. 

O que tinha muito a ver com sexo, na atualidade, por incrível que pareça, são comunidades de meditação.

Agora elaboram novos códigos sobre como devem ser feitos o contato e os ajustes, as modificações físicas que o professor pode exercer sobre o aluno para ajudá-lo a conseguir o ásana (a postura) trabalhado, contribuindo para um entorno mais confortável e protegido.

Se o Yoga não se transformasse, estaríamos até hoje fazendo as práticas do yoga pré-clássico, a saber: mantra, meditação, controle respiratório e rituais. Além do mais, quando falamos em tradição, nada é tão antigo e tradicional em Yoga como a meditação, a não ser, é claro, os conhecimentos védicos. 

É difícil acreditar que as pessoas,  provavelmente apresentadas ao método através da badalação da mídia, no fim de um dia estressante e distantes de si mesmas, ainda imersas nas obrigações do dia a dia,  consigam chegar à aula e ‘desligar-se’ disso tudo, desempenhando uma prática adequada de Yoga, sem ter a experiência e a percepção adquiridas com a prática da meditação e da vivência dos yamas e niyamas.

Geralmente esses métodos são vistos como uma ‘malhação’ indiana. Talvez por isso, muitos praticantes de Yoga têm preconceito em relação ao Ashtanga. É necessário muita imaginação para encontrar rastros do Yoga clássico na prática moderna ensinada por Pattabhi Jois, que praticou com seus alunos abusos ofensivos,  que não se restringem a toda linhagem e yogins, mas principalmente aos constrangimentos e traumas que deixou em cada um que "passou por suas mãos". 

Os casos não foram eliminados, o que percebe-se é uma excelente desculpa para quem quer desviar o estudo do Yoga ou Vedanta, evitando questionamentos dos alunos.

Definitivamente o aluno deve compreender o que lhe é pedido,  e assinar um termo de consentimento de contato físico antes de uma aula, ou termos de "silêncio" em retiros e práticas. O assinar ou não assinar está ligado ao livre arbítrio. Uma escola séria, que forma futuros professores, se baseia em transmitir com “muito cuidado o momento de tocar o aluno” e pedir o consentimento deles antes dos ajustes. Ademais, o correto é  encorajar o aluno  de forma verbal,  com cuidado, que diga que não quer ser tocado. E no que concerne a autorização para os ajustes, a ética do profissional é de grande valia. Essas são as novas bases sobre as quais se constroem as aulas de yoga na nova era,  em que a ética e a conscientização são fundamentais. 

Temos o sindicato do Yoga, a Associação Brasileira de Yoga, e órgãos da justiça que também podem ser acionados em casos abusivos. Estar atento aos profissionais e aos valores morais e éticos jamais pode ser esquecido.

Por fim, lembremos que os ásanas são apenas a ponta do iceberg no Yoga, em se tratando de ética, e que a abordagem e prática dos yamas e niyamas é extremamente importante. 


Referências
  • ARIEIRA, Glória. O yoga que conduz à plenitude. Rio de Janeiro: Editora Sextante, 2017.
  • DESIKACHAR, T.K.V.
  • O coração do yoga: desenvolvendo a prática pessoal. Tradução Greice Costa. São Paulo: Editora Jaboticaba, 2006.
  • PATANJALI. Os Yoga Sutras de Patanjali. São Paulo: Editora Mantra, 2015.


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