Devoção é algo que ultrapassa limites, e a ética do Yoga é um caminho solitário que depende apenas do praticante. O exemplo de bons e confiáveis mestres são importantes, mas são preceitos que devem ser trabalhados internamente.
Temos os niyamas, a purificação de si mesmo, e os yamas, que são o viver com ética. Contudo, o Yoga vai além, os ásanas e pránáyámas estão intimamente ligados à prática física.
Há pouco tempo vídeos de Pattabhi Jois (Disponível em: https://youtu.be/12A_mrdTI6M) foram difundidos, uma vez mais, em toda comunidade de yogins, devido as infelizes declarações sobre as "alunas gostarem de sofrer abusos" no yoga (Disponível em: https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=767810890483017&id=269895390450131).
Muitas mentes se contorceram, de forma literal, em razão das declarações feitas por mestres respeitados acerca do tema, e houve muita indignação, considerando a devoção ao estudo dos sutras que observamos em Iyengar, A.G. Mohan, T.K.V. Desikachar e outros mestres relacionados à linhagem de Krishnamacharya.
Há um distanciamento muito grande entre os ensinamentos do sábio Patañjali e o que se vê nas imagens divulgadas. Ao observar por diversas vezes, as imagens mostram uma ênfase excessiva a detalhes e tecnicismos dos asánas, contagens de respiração e ajustes, que com o citado professor ocorreu de forma abusiva e covarde. Quebra-se ahimsá durante toda prática.
A repetição (abhyāsa) é importante, mas não é necessário que seja aplicada em demasia numa mesma prática, pois o próprio sutra 1:14 adverte que a estabilidade (dṛḍhabhūmi, ‘solo firme’) surge quando há dedicação e desempenho correto por um longo tempo (dīrghakala), ou seja, o tempo de permanência no asána é sem dúvida mais importante que repetições exaustivas. O tempo também tem relação com anos de persistência.
Quanto ao método, sabemos que o Yoga sempre se adaptou às necessidades humanas. É nessa adaptabilidade que reside sua força e também de onde resulta sua longevidade, amplitude e eficiência.
Não são poucos os casos conhecidos em que gurus, aproveitando-se da assimetria de poder e da devoção de seus seguidores, ultrapassam a barreira do sectario, o que causa danos irreparáveis aos praticantes e suja o nome da filosofia de vida milenar, bela e eficiente.
Na Netflix, foi passado o documentário "Bikram: iogue, guru, predador", título que versa sobre uma das muitas histórias de abusos e estupros que mancharam algumas das figuras mais importantes da disciplina. Os casos são inúmeros em todas as modalidades, e não são exclusivos obviamente no mundo do Yoga.
O movimento #MeToo encorajou denúncias e reflexões sobre os abusos sexuais e de poder exercidos sobre as mulheres.
Muita coisa mudou nos retiros espirituais e centros ligados aos gurus do Yoga. Muitos se tornaram resorts dedicados à meditação, com uma atmosfera "mais amena". Mas o caminho ainda é longo para punições efetivas aos abusadores.
O que tinha muito a ver com sexo, na atualidade, por incrível que pareça, são comunidades de meditação.
Agora elaboram novos códigos sobre como devem ser feitos o contato e os ajustes, as modificações físicas que o professor pode exercer sobre o aluno para ajudá-lo a conseguir o ásana (a postura) trabalhado, contribuindo para um entorno mais confortável e protegido.
Se o Yoga não se transformasse, estaríamos até hoje fazendo as práticas do yoga pré-clássico, a saber: mantra, meditação, controle respiratório e rituais. Além do mais, quando falamos em tradição, nada é tão antigo e tradicional em Yoga como a meditação, a não ser, é claro, os conhecimentos védicos.
É difícil acreditar que as pessoas, provavelmente apresentadas ao método através da badalação da mídia, no fim de um dia estressante e distantes de si mesmas, ainda imersas nas obrigações do dia a dia, consigam chegar à aula e ‘desligar-se’ disso tudo, desempenhando uma prática adequada de Yoga, sem ter a experiência e a percepção adquiridas com a prática da meditação e da vivência dos yamas e niyamas.
Geralmente esses métodos são vistos como uma ‘malhação’ indiana. Talvez por isso, muitos praticantes de Yoga têm preconceito em relação ao Ashtanga. É necessário muita imaginação para encontrar rastros do Yoga clássico na prática moderna ensinada por Pattabhi Jois, que praticou com seus alunos abusos ofensivos, que não se restringem a toda linhagem e yogins, mas principalmente aos constrangimentos e traumas que deixou em cada um que "passou por suas mãos".
- ARIEIRA, Glória. O yoga que conduz à plenitude. Rio de Janeiro: Editora Sextante, 2017.
- DESIKACHAR, T.K.V.
- O coração do yoga: desenvolvendo a prática pessoal. Tradução Greice Costa. São Paulo: Editora Jaboticaba, 2006.
- PATANJALI. Os Yoga Sutras de Patanjali. São Paulo: Editora Mantra, 2015.
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